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Foto do escritorErika Bismarchi

Mulheres e a arte brasileira

A arte brasileira foi e tem sido profundamente influenciada e enriquecida pelo trabalho das mulheres ao longo da história – desde as artistas indígenas pré-coloniais até as contemporâneas. As mulheres sempre desempenharam papéis vitais na expressão artística do Brasil. Mesmo que invisibilizadas, algumas vezes, elas exploraram uma variedade de temas, estilos e mídias, que são essenciais para a singularidade que é a arte brasileira.






Chiquinha Gonzaga 


A carioca Francisca Edviges Neves Gonzaga nasceu em 1847 e viveu até quase 90 anos. Ela foi uma riquíssima compositora e instrumentista, além de maestrina. A vida pessoal de Chiquinha Gonzaga foi marcada por diversos escândalos para a época, com a forte imposição do sistema patriarcal da época. Por imposição, ela casou-se aos 16 anos e com apenas 2 anos de união, Chiquinha foi morar com outro homem, pois não aguentava os maus-tratos do primeiro. Após uma traição do seu segundo marido, ela se divorciou – em um momento em que a sociedade não admitia mulheres separadas. Assim, ela perdeu a guarda de seus filhos e, muitos dizem, se voltou cada vez mais para a música. Afinal, a sua família não a apoiou. 


Em 1877, a sua composição ‘Atraente’ ganha uma certa notoriedade. Em 1885, a opereta ‘A Corte na Roça’ lhe rende a sua primeira regência. Infelizmente, Chiquinha não alcançou o sucesso esperado, por conta da ausência da cobertura de mulheres na imprensa. O remate se dá mesmo na virada do século 19 para o 20, quando a famosa música ‘Ô Abre Alas’ cai na boca do povo. Repare: Essa música já perdurou por 2 séculos e não foi esquecida. Muito pelo contrário, ela é repetida diversas e diversas vezes por diferentes marchinhas, grupos musicais, etc, pelos diferentes cantos do Brasil. A modinha ‘Lua Branca’ também é uma das obras mais conhecidas dela. 


Cora Coralina


Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, mais conhecida como Cora Coralina, publicou seu primeiro livro aos 75 anos de idade, em 1965, mas começou a escrever ainda menina, lá do interior de Goiás, onde nasceu em 1889. Com 14 anos, ela e um grupo de amigas, mantinham o jornal ‘A Rosa’. Em 1910, o seu poema ‘Tragédia na Roça’ foi publicado no Anuário Histórico e Geográfico do Estado de Goiás, onde pela primeira vez o pseudônimo Cora Coralina é utilizado. 


No ano seguinte, ela veio com o companheiro para o interior de São Paulo, Jaboticabal, e em 1922 ela foi convidada a participar da Semana de Arte Moderna, mas seu marido a impediu. Em 1934, ele morre e ela começa a trabalhar fora. No início faz e vende doces, mas logo se muda para São Paulo e vai trabalhar em uma loja de livros. Em 1936, ela se muda para Andradina e começa a escrever para o jornal local. Já com 70 anos, em 1959, ela volta para cidade natal, Cidade de Goiás, e aprende datilografia. Ela preparou seus poemas de uma vida inteira e apresentou para algumas editoras, até que consegue a publicação do primeiro livro. Ela se torna referência na literatura brasileira com uma obra poética, de escrita simples, rica em detalhes do cotidiano, principalmente do interior do Brasil. Anna morreu aos 95 anos, na sua pequena casa, na cidade em que nasceu. Ao longo da sua vida, recebeu diversos reconhecimentos e prêmios, além de ocupar a cadeira de nº 38 na Academia Goiana de Letras. 


Anita Malfatti


Anita Catarina Malfatti nasceu em São Paulo, em 1889. Paulista de classe média, estudou em colégios renomados e aos 19 anos se formou professora. Em 1919 foi para Berlim, onde estudou artes e pintura. Depois foi para os Estados Unidos, onde aprimorou mais ainda a sua técnica. Quando retornou para o Brasil, em 1917, ela reuniu 53 obras com uma forte tendência expressionista, e expôs individualmente em São Paulo. Na ocasião, Monteiro Lobato, após visitar a sua exposição, escreveu uma crítica e publicou no jornal, que não foi bem recebido por Oswald de Andrade, que rebateu o artigo – o que favoreceu para que o evento se tornasse um marco do movimento modernista do Brasil. 


Em 1923, ela foi para Paris estudar e lá conheceu e trocou diferentes experiências com diferentes pintores. Quando retorna para o Brasil, se une com Mário de Andrade, Tarsila do Amaral, Oswald de Andrade e Menotti del Picchia, e formam o ‘Grupo dos Cinco’. Eles defendiam as ideias da Semana de Arte Moderna – um evento que ocorreu entre os dias 13 e 17 de fevereiro de 1922, no Teatro Municipal de São Paulo, que buscava exaltar a arte e cultura brasileira e não mais europeia. Foi considerado um marco de rompimento com a arte clássica para o Modernismo Brasileiro. Em meio a inúmeras mudanças comportamentais, sociais, políticas e econômicas, a semana proporcionou música, poesia, pintura, dança, como forma crítica e reflexiva.


Uma curiosidade de Anita é que ela possuía uma atrofia no braço e na mão direita, deficiência que ela carregou a sua vida inteira, mas que nunca a impediu de fazer qualquer coisa. Ela viveu até os 75 anos e morreu na sua cidade natal, em 1964.


Carmem Miranda


Carmem Miranda ou Maria do Carmo Miranda da Cunha é a não brasileira mais brasileira que conhecemos. Ela nasceu em 1909 em Portugal, e com apenas um ano se mudou para o Rio de Janeiro e cresceu por lá. Aos 15 anos, foi trabalhar em uma confecção de chapéus e pegou gosto – os turbantes e acessórios na cabeça vieram a se tornar a marca registrada dela.


A “Pequena Notável”, como é chamada também, com 20 anos, nas horas vagas, cantava e dançava em festas, o que abriu portas nos teatros e clubes. No mesmo ano, ela estreou como cantora e gravou seu primeiro disco, que continha as músicas ‘Triste Jandaia’ e ‘Iaiá, Ioiô’. O seu grande sucesso veio em 1930, um ano após a sua primeira aparição, com a canção ‘Pra você gostar de mim’. No mesmo ano, ela já estava fazendo a sua primeira turnê internacional. Carmen Miranda foi a primeira mulher a assinar um contrato com uma rádio. Isso foi em 1933, quando mulheres que trabalhavam não eram bem vistas pela sociedade. 


Em 1936, ela estreou no cinema e gravou grandes sucessos. Foi em 1939 que ela brilhou. Sim! Ela brilhou mais do que já brilhava. A sua aparição na comédia musical ‘Banana da Terra’, onde cantou ‘O que a baiana tem’ fez com que ela virasse um clássico, uma lenda. A partir daí, ela assinou contrato com a Broadway e se apresentou na Casa Branca. Em 40, ela fez seu primeiro filme ‘Serenata Tropical’ e foi a primeira sul americana a receber uma estrela na Calçada da Fama, em Hollywood. Ao todo, Carmen fez 20 filmes, sendo 14 nos Estados Unidos e 6 no Brasil. 


Após o casamento, em 1947, Carmen desenvolveu o uso contínuo de álcool, o que fez com que ela não conseguisse administrar bem seus contratos. Além disso, as várias tentativas frustradas de engravidar, fizeram com que ela desenvolvesse uma forte depressão, levando-a também à dependência de remédios controlados. Em 1954, com 46 anos, enquanto dançava e cantava em programa norte-americano, ela desmaiou. Foi amparada e, no dia seguinte, foi encontrada morta em seu quarto, em Los Angeles, vítima de um ataque cardíaco. 


Pagu


Patrícia Rehder Galvão, conhecida como Pagu, nasceu em São João da Boa Vista, em uma família tradicional paulistana. Na visão deles e da sociedade da época, ela se comportava fora dos padrões, pois fumava em locais públicos, falava alto e palavrões, além de usar roupas que passavam bem longe das convencionais.


Com apenas 15 anos, ela já colaborava no ‘Jornal Bras’ e aos 18, já formada como professora, se integrou ao Movimento Antropofágico, fundado pelo casal Tarsila do Amaral e Oswald de Andrade. Essa aproximação com eles lhe rendeu o seu primeiro escândalo, pois Pagu engravidou dele, que então se separou de Tarsila para viver com ela. Após meses de dar a luz ao seu filho, Patrícia conheceu Luís Carlos Prestes em um festival, em Buenos Aires. Logo ela se filiou ao Partido Comunista com seu companheiro Oswald de Andrade. 


Em 1933, publicou o ‘Parque Industrial’, com o pseudônimo Mara Lobo. Livro que conta a vida operária da cidade de São Paulo. Neste momento, recebeu alguns convites internacionais, como correspondente de vários jornais, deixando seu filho e o marido no Brasil. Em 1935, foi presa em Paris como comunista estrangeira. Com uma identidade falsa, ela volta para cá e se separa do marido. Ao retornar às suas atividade jornalísticas, foi presa por cinco anos e torturada pela força da ditadura brasileira.


Depois de sair da prisão, Pagu tenta suícidio, rompe com o partido, em 1945 se casa com um jornalista e em 1946 passa a colaborar em diferentes jornais do Brasil e a residir em Santos, litoral de São Paulo, onde dedicou principalmente incentivo a grupos amadores de teatro. Liderou a campanha para a construção do Teatro Municipal, além de fundar a Associação dos Jornalistas Profissionais. 


Em 1962, após voltar de Paris a Santos, por conta de um tratamento de câncer, ela escreveu um poema, que foi publicado no jornal ‘A Tribuna’, e, no final do ano, ela morreu.   



Carolina de Jesus

Carolina Maria de Jesus nasceu em 1914, neta de escravizados, em Minas Gerais, onde estudou por dois anos – aos 7 e 8 anos. Mesmo com pouco tempo de escola, ela desenvolveu a habilidade para escrita e leitura. Entre idas e vindas com a sua família em busca de oportunidades de trabalho, ela passou Lageado, Sacramento, Franca e, aos 23 anos, perdendo-se de sua mãe, foi para a capital, onde trabalhou como faxineira. 


Em 1948, Carolina de Jesus se mudou para a favela do Canindé e se tornou mãe. Ela trabalhava como catadora de papel durante a noite e lia tudo o que recolhia. Tinha o costume de escrever diariamente sentimentos e sensações, registrando o cotidiano dela e das filhas. Em 1941, ela foi até o jornal ‘Folha da Manhã’ onde entregou um poema que havia escrito, para homenagear Getúlio Vargas. O seu escrito e as suas fotos são publicadas no jornal.


Regularmente, ela levava poemas à redação e cada vez que seus textos eram publicados, sua boa reputação aumentava. Carolina de Jesus era chamada como a Poetisa Negra. Em 1958, um repórter do jornal ‘Folha da Noite’, foi fazer uma reportagem na favela do Canindé e uma das casas que ele visitou foi a de Carolina. Na ocasião, ela mostrou a ele seu diário e ele ficou surpreso e maravilhado com aquela história e material. Naquele ano e no ano seguinte, trechos do diário foram publicados no jornal e também na revista ‘Cruzeiro’. 


Em 1960, o diário foi publicado inteiro, no livro autobiográfico intitulado ‘Quarto de despejo: Diário de uma favelada’. Na primeira edição, a tiragem foi de dez mil exemplares. Apenas na noite de autógrafo, foram vendidos 600 livros. Com o sucesso de vendas, ela e as filhas mudaram para uma casa própria no Alto de Santana. Nos anos seguintes, ela publicou os livros ‘Casa de Alvenaria: Diário de uma Ex-favelada’, em 1961, ‘Pedaços da Fome’ em 1963, e ‘Provérbios’, em 1965. Ela recebeu diversos prêmios e foi homenageada pela Academia Paulista de Letras e Academia de Letras da Faculdade de Direito de São Paulo.


Apesar de tudo isso, Carolina de Jesus não se beneficiou com a ascensão e logo voltou à condição de catadora novamente. Em 1969 mudou-se com os filhos para um sítio em Parelheiros, extremo sul de São Paulo e morreu em 1977.


Fernanda Montenegro


Você sabia que a Fernanda Montenegro chama-se Arlette Pinheiro Monteiro Torres? Ela nasceu em 1929, no Rio de Janeiro, e foi a primeira atriz contratada pela TV Tupi, em 1951, aos 23 anos. Seu nome era considerado comum demais para uma atriz, e pediram que ela escolhesse um nome mais chamativo, que trouxesse mais força: Assim nascia Fernanda Montenegro. Ela é reverenciada como a “grande dama da dramaturgia brasileira” e “a maior atriz da história do Brasil”.


Reconhecida mundialmente, ela foi a primeira brasileira a ganhar o Emmy Internacional, na categoria de melhor atriz, por sua atuação em ‘Doce de Mãe', em 2013. Ela também ganhou um Urso de Prata, no Festival de Berlim, além de ter recebido indicações ao Globo de Ouro. Foi a primeira mulher latino-americana e brasileira a ser indicada na categoria de melhor atriz ao Oscar por seu trabalho no filme ‘Central do Brasil’, em 1998. Em 2013, foi eleita pela revista ‘Forbes’ a 15ª celebridade mais influente do país, e também eleita para assumir a 17ª cadeira da Academia de Letras Brasileira. 


Além de inúmeros programas de rádio, Fernanda Montenegro, ao longo da sua vida, participou de pelo menos 80 peças de teatro. Não há como afirmar um número exato, já que ela participou de diferentes projetos teatrais. Atuou em mais de 70 novelas e cerca de 40 filmes. Seu primeiro trabalho no teatro foi em 1945, em ‘Nuestra Natasha’ e é imensurável a marca inconfundível que ela deixa em cena. 


Sem dúvidas, existem outras e diversas mulheres que mereciam entrar neste texto. Mas por questão de espaço e tempo não foi possível de serem mencionadas. A união das diferentes mulheres foi essencial para dar a singularidade e brasilidade única que a nossa arte e cultura têm. 


Caso você tenha perdido algum de nossos posts dessa série, entre AQUI e confira. 


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